O novo filme de Celine Song estreou no último dia 13 nos Estados Unidos com uma provocação: até que ponto o desejo por status e riqueza molda os vínculos afetivos? Em Materialists, previsto para os cinemas brasileiros a partir de 31 de julho, Dakota Johnson vive Lucy, uma matchmaker sofisticada cuja rotina envolve avaliar pretendentes como se fossem ativos financeiros, até que ela se vê diante de duas rotas opostas, com o bilionário refinado Harry (Pedro Pascal) de um lado e o ex-namorado artista John (Chris Evans) do outro. A estreia foi marcada por reações intensas, tanto na plateia quanto entre os profissionais de encontros românticos, revelando como o filme ecoa conflitos bem contemporâneos.
A performance de Pascal se destaca pela dualidade, com seu Harry exalando charme, elegância e poder como se fosse um produto de vitrine, mas guarda camadas de insegurança, simbolizada pela revelação chocante de umalongamento de pernas para atender a critérios físicos socialmente exigidos. O gesto extremo ilustra a pressão que muitos sentem para se enquadrar em moldes de sucesso. Em contrapartida, Evans imprime em John uma autenticidade discreta, quase apagada pelo opulento rival, mas caminhando junto a Lucy pelas margens da vulnerabilidade emocional.
A crítica ao “amor calculado” se estende ao retrato da protagonista. Lucy aconselha outros a negociar contratos matrimoniais como se fossem investimentos, jogo que domina com precisão, até perceber que seu próprio coração também pode falhar (ou se rebelar) diante de tabelas de retorno emocional. Diante do dilema materialista, o filme não entrega um epílogo açucarado, e o encerramento inteligente, com Lucy e John na sala de casamento de City Hall, acena para um futuro incerto. Por fim, o minimalismo da escolha valoriza menos o destino do que a coragem de romper a lógica transacional.
Entre risos nervosos e silêncios constrangedores, o longa desconstrói o estilo rom‑com. O humor dissolve quando Lucy vive um episódio traumático com um cliente e toma para si a responsabilidade emocional de um sistema falho. As vozes da vida real, como a da matchmaker Maria Avgitidis, apontam a negligência dramatúrgica de pontuar a realidade profissional com cenas que beiram a irresponsabilidade, lembrando que a vida real não é um ensaio para o roteiro.
Visualmente, Materialists se distancia do brilho superficial. A fotografia de 35 mm transita entre o glamour urbano e tons mais terrosos, enfatizando o contraste entre a vitrine de Nova York e a intimidade quase doméstica do casal mais humano. Os quadros suspensos, típicos de Song, revelam personagens caminhando sobre expectativa, enquanto as cenas de luxo soam cada vez mais vazias ao longo do enredo.
Materialists não oferece respostas fáceis, mas levanta questões fundamentais sobre a natureza do compromisso emocional em um mundo de escolhas ilimitadas. O filme atravessa a linha tênue entre crítica mordaz, romance sofisticado e estudo de caráter, e sai do cinema sem simular conclusão, mas com perguntas insistentes martelando a pós‑créditos. A mais pertinente surge com a fotógrafa de almas que Lucy se torna ao final do filme, quase que questionando com seu comportamento se nós e nossos valores estão à venda.
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