Na estreia do novo filme do Super-Homem – “Superman”, em cartaz a partir desta sexta-feira, 11, e dirigido por James Gunn -, o herói retorna à telona não apenas como um salvador de Metrópolis, mas como um espelho incômodo do nosso tempo. É significativo que, em meio a guerras, democracias tensionadas e o avanço do autoritarismo, um personagem concebido em 1938 para combater o fascismo ressurja com força renovada para falar de verdade, justiça e esperança em um “amanhã melhor”.
O timing não é coincidência. Há algo profundamente político no ato de revisitar mitologias heroicas num período em que a confiança nas instituições se esgarça e a verdade factual passa a ser tratada como questão de opinião. Gunn parece entender que o Super-Homem nunca foi só um homem de capa vermelha, mas que ele é, em essência, um projeto moral.
É nessa dimensão que o novo filme se torna relevante. Ao propor um Super-Homem que abraça a compaixão e a bondade como virtudes centrais, o diretor toca em debates ferozes do presente. Afinal, em um planeta onde crises migratórias, mudanças climáticas e redes sociais inflamam divisões tribais, falar em altruísmo soa quase subversivo.
O herói, descrito por Gunn como um “imigrante” que luta pelo bem comum, enfrenta resistência daqueles que veem qualquer gesto humanitário como parte de uma agenda “woke”. Não é à toa que vozes conservadoras já rotularam o filme como propaganda progressista. O Super-Homem está, mais uma vez, no centro da guerra cultural, como esteve no passado ao enfrentar nazistas ou expor o Ku Klux Klan em suas aventuras radiofônicas. Mas o inimigo, hoje, é mais difuso. Trata-se da desconfiança generalizada de que qualquer idealismo seja possível.
Cineasta conhecido por revitalizar franquias com humor ácido e profundidade emocional, como “Guardiões da Galáxia” e “Esquadrão Suicida”, Gunn é o responsável por essa reinvenção, com sua assinatura de personagens excêntricos e empáticos para dar ao novo ‘Superman’ uma leveza inédita, sem abrir mão de densidade política. No papel principal, David Corenswet assume o manto do Homem de Aço com uma interpretação que mistura ingenuidade e firmeza, resgatando o charme clássico do personagem, mas sem soar antiquado.
Já Nicholas Hoult, escalado como o novo Lex Luthor, entrega um vilão magnético, mais cerebral e menos caricato, equilibrando sarcasmo e ameaça em um registro contemporâneo que dialoga perfeitamente com as tensões políticas globais. Há, contudo, um paradoxo fascinante nesse retorno. O Super-Homem, em sua nova versão, é uma figura quase anacrônica em um mundo cínico, mas talvez seja justamente sua pureza que o torne necessário.
Ele encarna valores absolutos (verdade, justiça, esperança…) que soam antiquados em tempos dominados pelo pragmatismo e pelo marketing político. E, ainda assim, é isso que lhe dá poder simbólico. Agora acolhido por uma família americana, ele se choca com discursos que defendem muros, deportações e a desumanização do outro. Sua recusa a matar, mesmo diante de inimigos implacáveis, é uma mensagem potente em uma época sedenta por retaliação.
Há algo de revolucionário em um personagem que insiste em não desistir da humanidade, ainda que a humanidade pareça determinada a se autodestruir. O cinema de super-heróis, frequentemente criticado por suas fórmulas vazias, encontra aqui uma rara oportunidade de se reconectar à sua função original: contar histórias que ajudem a sociedade a se entender. Quando Gunn aposta em cores vibrantes e em um tom menos sombrio, ele está também dizendo que a esperança precisa voltar a ser uma opção contínua e política.
Justo quando a lógica atual do “nós contra eles”, que governa tanto parlamentos quanto algoritmos, colocar o Super-Homem no centro do debate é também perguntar se ainda há espaço para consensos mínimos sobre o que é certo e errado. Nesse sentido, o arrasa-quarteirão com orçamento de US$ 225 milhões (R$ 1,25 bilhão) é entretenimento puro, sem dúvida, mas é também um ensaio sobre a persistência da ética diante de uma realidade que parece ter desaprendido o significado de verdade.
Talvez por isso, mais do que em qualquer outro momento recente, o Super-Homem ‘2025’ volte a ser um personagem necessário. Não porque ele ofereça soluções mágicas para problemas complexos, mas porque encarna a crença, cada vez mais rara, de que vale a pena lutar por princípios, mesmo quando tudo conspira contra eles. Com fake news, crises migratórias, guerras e desigualdade gritante dominando o ‘mundo real’, a luta do Homem de Aço por “verdade, justiça e um amanhã melhor” soa menos como slogan publicitário e mais como um apelo urgente.
Se ainda precisamos de super-heróis, não é apenas pela força bruta que ostentam, mas pela capacidade de lembrar que a verdade e a justiça continuam a ser ideais pelos quais vale a pena viver e lutar.
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Clica no ‘play’ do vídeo aí embaixo para assistir o trailer de “Superman” (com legendas em português):
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