Para o produtor, o país precisa recuperar a cultura de grandes interpretações e unir gerações, em vez de substituir nomes consagrados por influenciadores sem preparo
Quando Marcus Montenegro lançou, em 2015, a campanha Eu Quero Veteranos na TV, o gesto parecia apenas um chamado de atenção. Não havia cálculo, apenas a sensação de que algo estava sendo perdido diante dos olhos de toda a classe artística. Com o passar dos anos, ficou nítido: a televisão brasileira está perdendo sua alma enquanto veteranos desaparecem da tela.
O apagamento começou silencioso. Nos primeiros anos, nem mesmo os artistas tinham clareza do que estava acontecendo. Foi durante a pandemia que a percepção explodiu. “Os atores foram sentindo que uma coisa muito grave estava acontecendo”, lembra o produtor. Ao mesmo tempo, a indústria televisiva se mudou para outro eixo de decisão: a internet e o marketing passaram a ditar escalação, e o impacto do número de seguidores ganhou mais peso do que décadas de carreira.
O público nunca deixou de amar os veteranos, mas as emissoras parecem ter esquecido disso. Influenciadores tomaram espaço e grandes intérpretes viraram figurantes do próprio legado. O resultado é a pergunta recorrente nas redes e nas ruas: por que as novelas não são mais as mesmas? Para o idealizador da campanha, a resposta é simples. “O público ama ver essas grandes interpretações todos os dias. O Brasil está carente de bom espetáculo e boa cultura. Precisamos de executivos ousados para reimplementar essa cultura.”
A virada começou entre 2023 e 2024. Executivos finalmente reconheceram o tamanho do problema. Pela primeira vez, Montenegro foi chamado oficialmente para discutir o tema dentro das emissoras. “Os resultados começaram a surgir, ainda são muito tímidos, mas é um começo. A discussão está na mesa e está ganhando força.” A meta agora é recuperar o equilíbrio entre gerações e devolver à televisão uma identidade artística mais sólida.
A entrada massiva de influenciadores e celebridades digitais acendeu outro alerta. O empresário artístico não rejeita novos nomes, mas exige preparo. “O problema é quando alguém está na posição de ator sem capacitação profissional, apenas por número de seguidores.” Ele cita casos legítimos, como MC Cabelinho e Belo, pela conexão com o público, e exceções bem-sucedidas como a de Grazi Massafera. Mas afirma que o mercado confundiu notoriedade com talento, apagando a fronteira entre celebridade e ator.
Mesmo diante das falhas, ele enxerga esperança na nova geração. Muitos jovens chegam com técnica e disciplina, principalmente no teatro musical. Trabalhando com mais de 300 artistas, Montenegro repete o mesmo conselho: ninguém pode esperar convite. “Tiro o ator da esfera de ficar esperando e faço agir como criador de conteúdo.” O ator que entende produção, captação e curadoria aumenta as chances de sobreviver ao cenário atual.
Os próximos anos também serão marcados por novas publicações. Em 2026 será lançado o livro que celebra os 75 anos da televisão brasileira, escrito com Mauro Alencar, trazendo a trajetória de 350 personagens que construíram a indústria. Em 2027 chega a biografia, seguida por obras sobre o Retiro dos Artistas, o projeto Artion e a importância dos grandes intérpretes para a cultura nacional.
A urgência do debate ganhou rosto no caso de Maria Gladys, vista em situação de vulnerabilidade no Rio de Janeiro. O autor da campanha lamenta: “É uma tristeza ter uma atriz consagrada vivendo dessa maneira. Maria é uma ótima atriz que está sofrendo com o etarismo.” O caso virou símbolo do abandono de talentos que ajudaram a construir a televisão.
Se pudesse fazer apenas um pedido às emissoras, ele responde sem hesitar: “Quero veteranos na TV. Precisamos combater o etarismo. O Brasil é um país em que temos que lutar pelo óbvio.” Resgatar esses artistas não é nostalgia, é justiça cultural. É devolver à TV a alma que o público reconhece, sente falta e nunca deixou de amar.
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