
Vivemos um tempo em que o conforto se tornou a nova forma de exaustão. A promessa da automação desenha uma existência que exige cada vez menos esforço, e, paradoxalmente, quanto mais entregamos o movimento às máquinas, mais nos afastamos do gesto essencial que sustenta a experiência de estar vivo. A quietude, outrora símbolo de descanso, converteu-se em metáfora de renúncia.
O corpo contemporâneo, privado do esforço, perde o vínculo com a própria vitalidade. A ausência de movimento não paralisa apenas os músculos; imobiliza também a capacidade de decidir, de suportar o tempo e de habitar o instante. A lentidão interna instala-se onde antes havia fluxo, e a mente, desconectada do corpo, confunde estabilidade com apatia.
A sociedade que glorifica o conforto esquece que a vida é, por natureza, dinâmica. Tudo o que vive se transforma. Na natureza, a água estagnada apodrece. Em nós, a ausência de fluxo gera o mesmo destino: deterioração simbólica e emocional. A verdadeira oposição à existência não é a morte, mas a paralisia. A morte, quando reconhecida, confere urgência e densidade ao presente. O medo da finitude, quando negado, petrifica o instante.
Muitos acreditam que prolongar a vida é o mesmo que vivê-la, mas temo que estejamos apenas adiando o encontro com o essencial. O pavor da finitude, não elaborado, cria ilusões de controle. Substituímos o voo pela segurança da imobilidade, acreditando evitar o risco, mas apenas abdicamos do aprendizado que nasce do desconhecido. Cada escolha movida pelo medo é uma pequena abdicação da vida.
A mente que tenta negar sua limitação torna-se refém da vaidade de ser invulnerável. A negação da morte é a negação da condição humana. Quando o ego se recusa a aceitar sua natureza transitória, adoece. As fobias, as compulsões e os estados de ansiedade são expressões de uma psique que teme o fluxo e busca aprisionar o tempo.
Em meu trabalho clínico, observo que o trauma fragmenta. Partes de nós permanecem congeladas em eventos passados, presas à dor que não pôde ser metabolizada. O processo terapêutico é um ato de resgate. Reunir esses fragmentos é restaurar a totalidade que o medo dissolveu. Somente o ser integrado é capaz de agir com liberdade.
Essa integração nasce do diálogo interno. A criança que teme a perda e o adulto que busca segurança precisam aprender a se escutar. A cura não acontece na fuga, mas na escuta compassiva. Quando permitimos que a voz madura acolha a imaturidade, o medo deixa de comandar. A vulnerabilidade se torna então um território fértil, não uma ameaça.
Proponho, portanto, um retorno ao movimento – não apenas físico, mas existencial. Caminhar, respirar conscientemente, escolher o corpo como instrumento de presença. O gesto simples de mover-se com intenção é uma forma de reanimar o espírito. É também um ato de resistência diante de uma cultura que anestesia.
A vida floresce onde há troca, não onde há estagnação. A coragem de agir com o coração é o antídoto contra a morte simbólica. A longevidade mais profunda não está na duração do corpo, mas na intensidade do instante vivido com inteireza.
A eternidade não é um tempo futuro. É o agora vivido com consciência. Cada respiração plena é uma vitória sobre a inércia. Cada movimento é um retorno à vida.
- Neste artigo:
- Alma Clinica,
- colunista GLMRM,
- maria klien,