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Foto: FREDERICONCEPTUAL

O jeito como as pessoas falam de si tem mudado. As relações estão mais rápidas, os vínculos menos duradouros e a vida online ocupa grande parte do tempo. Tudo isso afeta o que chega ao consultório e transforma a forma como o desejo se manifesta na escuta terapêutica.

Antes, o terapeuta era visto como alguém que tinha respostas. A relação com ele se apoiava em figuras de autoridade e confiança. Hoje, esse lugar mudou. Muitas vezes, o profissional é procurado não para oferecer certezas, mas para ouvir relatos soltos, atravessados por dúvidas, pausas e silêncios.

A resistência, que já foi entendida como recusa direta ao processo, também ganhou novos formatos. Com a popularização da linguagem terapêutica nas redes sociais e na mídia, muitas pessoas repetem discursos prontos sobre si mesmas. Isso pode dificultar o acesso ao que realmente precisa ser dito.

O desejo continua ali, mas aparece de outras formas: em vontades que mudam o tempo todo, em buscas que não se completam, em inquietações que não param. A lógica do consumo, que estimula a troca constante e a pressa, interfere até nas escolhas mais íntimas.

Ainda assim, o vínculo entre paciente e terapeuta, chamado de transferência, continua sendo uma porta de entrada. Mesmo que venha com menos estabilidade, pode surgir como admiração rápida, desejo de acolhimento ou tentativa de reconhecimento. Cabe ao analista reconhecer esses sinais e acolher o que eles trazem.

A resistência também se apresenta de forma mais sutil. Pode estar na pressa por entender tudo de uma vez, na dificuldade de se aprofundar ou no uso do humor para escapar da dor. São formas de se proteger e não devem ser tratadas como barreiras.

Na clínica de hoje, é preciso oferecer tempo e escuta — um espaço onde a fala possa ganhar sentido e onde o desejo, mesmo fragmentado, encontre lugar. Não se trata de retomar modelos antigos, mas de construir, junto com cada pessoa, um modo possível de presença.

O desejo não precisa ser resolvido, mas escutado. Ele segue como parte importante da experiência de cada um. Por isso, mais do que aplicar teorias prontas, o trabalho do terapeuta exige disponibilidade para caminhar com quem busca ajuda, respeitando o ritmo e as pausas.

Mesmo quando parece perdido, o desejo não desaparece. Ele se espalha. E é justamente por isso que o trabalho clínico precisa criar espaço para que ele possa ser reconhecido — não como volta ao passado, mas como algo possível de ser construído no agora.

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