Estigma ainda dificulta o cuidado
Muitos imaginam que a saúde mental não teria barreiras geracionais. No entanto, pessoas mais velhas frequentemente escutam dos jovens: “Nós estamos mais conscientes da saúde mental do que vocês”, como se apenas a conscientização fosse suficiente para evitar a depressão.
Essa percepção contém alguma verdade, segundo Pascal Schlechter, do Instituto de Psicologia da Universidade de Münster, na Alemanha. Ele explica que “há mudanças nas gerações mais jovens e também nas gerações mais velhas. Mas, infelizmente, a saúde mental dos idosos ainda é muito estigmatizada”. Dessa forma, admitir um problema de saúde mental continua sendo um enorme desafio para muitos.
Diagnósticos equivocados dificultam o tratamento
Além do estigma, a falta de preparo também pode afetar médicos. Eles podem confundir sintomas depressivos com alterações próprias do envelhecimento. Schlechter exemplifica: “Se uma pessoa de 30 anos lhe disser que parou de sair e está se afastando das interações sociais, você perguntaria: ‘Há algo errado com sua saúde mental? Você está deprimido?’”. No entanto, com idosos, a abordagem costuma ser diferente. “Mas com uma pessoa mais velha, você poderia dizer: ‘Você está cansado. Faz parte do processo normal de envelhecimento. Apenas descanse.’”
Por fim, a diferença entre gerações se dissolve ao olhar para os sintomas. Schlechter participou de um estudo em Cambridge, no Reino Unido, que acompanhou 11 mil pessoas por 16 anos. Os dados revelaram que adultos jovens e idosos apresentam sinais semelhantes: sensação de depressão, cansaço, dificuldade de locomoção, sono agitado e solidão.
Contudo, em idosos, há maior frequência de sintomas físicos, o que pode confundir ainda mais o diagnóstico. Schlechter ressalta: “Sintomas médicos ou somáticos podem fazer parte de uma depressão, mas os idosos frequentemente atribuem esses sintomas erroneamente ao seu processo de envelhecimento”. Dessa forma, a identificação tardia pode tornar o quadro mais grave e persistente.
Aspectos sociais e traumas agravam o quadro
Fatores sociais também contribuem para a depressão em pessoas idosas. O envelhecimento traz perdas, mudanças no status social e no ambiente comunitário. Além disso, muitos sofrem com a morte de pessoas próximas ou até abusos de cuidadores, segundo alerta da Organização Mundial da Saúde.
Esses elementos podem transformar uma depressão leve em um quadro grave e duradouro. Ao mesmo tempo, doenças físicas não tratadas ou não reconhecidas podem desencadear sintomas depressivos ou piorar a doença.
Medicação e psicoterapia
Tratar depressão em idosos envolve desafios adicionais. Albino Oliveira-Maia, chefe da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud, em Lisboa, Portugal, afirma que os médicos tendem a focar nos problemas físicos dos idosos e deixar de lado os mentais.
Ele destaca que “tanto nos sistemas de saúde mais pobres quanto nos mais ricos da Europa, um dos principais instrumentos que temos para lidar com a depressão é a medicação”. Contudo, há riscos nesse grupo, pois os idosos podem já fazer uso de diversos remédios. Oliveira-Maia explica: “Ao tratar idosos com medicamentos, há uma maior probabilidade de interação com outros medicamentos e de ocorrência de toxicidades”.
A boa notícia é que a medicação não é a única saída. A psicoterapia, incluindo a terapia cognitivo-comportamental, oferece caminhos valiosos, adaptados ao histórico de cada paciente.
Idosos ainda são pouco incluídos em pesquisas
Um obstáculo importante é a exclusão de idosos nos ensaios clínicos. Questões éticas impedem a participação de quem já apresentou pensamentos suicidas, o que limita dados e soluções para o grupo mais vulnerável. “É um ato de generosidade participar de um programa de pesquisa, então precisamos proteger as pessoas. Mas, ao fazer isso, às vezes há consequências que levam a um progresso mais lento para alguns dos pacientes que mais precisam”, pontua Oliveira-Maia.
Além disso, pacientes acima de 65 anos, com doenças vasculares ou lesões cerebrais, podem ser barrados de estudos clínicos, o que dificulta ainda mais os avanços. Cientificamente, há justificativas para isso, mas a exclusão compromete a compreensão do tratamento ideal para essa faixa etária.
Cuidado: autodiagnóstico pode ser perigoso
Schlechter e Oliveira-Maia concordam que campanhas de conscientização sobre saúde mental são essenciais, mas também carregam riscos. Schlechter observa: “Para as gerações mais jovens, há mais conscientização pública devido às mídias sociais. E existem boas campanhas que fornecem informações válidas”. Porém, adverte para a desinformação, que pode levar jovens a pensarem que estão doentes sem estarem, e idosos a negarem sinais evidentes.
Oliveira-Maia complementa que o autodiagnóstico, seja entre jovens ou idosos, gera confusão e erros. Alguns indivíduos podem classificar a tristeza normal como doença mental.
Por isso, especialistas reforçam que, diante de qualquer sintoma preocupante, o melhor caminho continua sendo procurar orientação médica.