
O autodomínio sempre me pareceu uma fronteira entre o instinto e a consciência. É nele que a mente tenta transformar impulso em escolha. Não se trata de conter o movimento interno, mas de observar antes que se torne ação. O domínio sobre si nasce do reconhecimento do que nos habita, e não da negação das forças que insistem em se manifestar.
Com o tempo, compreendi que o controle externo é ilusório. Nenhuma tentativa de organizar o mundo substitui a necessidade de compreender o que se move dentro. A neuropsicologia revela que o equilíbrio entre razão e emoção depende de uma constante comunicação entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico. Essa integração é o que permite decidir com consciência, e não apenas reagir.
O autodomínio, portanto, é um diálogo entre partes distintas. Há em nós impulsos primitivos e estruturas refinadas que tentam interpretá-los. A consciência surge nesse intervalo, quando o sujeito reconhece a origem de suas respostas e se pergunta se deseja repeti-las. Esse instante, quase imperceptível, é onde começa a liberdade.
Na clínica, observo como muitos confundem autodomínio com repressão. Reprimir é silenciar a emoção; dominar-se é escutá-la até compreender o que ela anuncia. A diferença é sutil, mas decisiva. Quando nomeamos o que sentimos, o que antes era ameaça se transforma em dado. O conhecimento sobre si reduz a força do impulso e amplia a clareza da ação.
A neurociência descreve essa passagem como um aumento da conectividade entre regiões cerebrais responsáveis pela regulação emocional. O sujeito aprende a sustentar a tensão sem se dissolver. É nesse ponto que o domínio deixa de ser um esforço de controle e se torna um exercício de consciência. A vontade substitui o automatismo.
Contudo, há dimensões que ultrapassam a explicação fisiológica. O autodomínio envolve também uma busca simbólica por integridade. Desde os mitos mais antigos, a humanidade tenta reencontrar uma unidade perdida. Talvez dominar-se seja tentar reunir fragmentos dispersos, transformar o caos em sentido, reconhecer a sombra sem ceder a ela.
Quem vive guiado pela racionalidade carrega o impulso de compreender o que o move. O autodomínio não elimina o conflito; apenas o torna visível. Ele convida à convivência com as próprias contradições, reconhecendo que a totalidade humana inclui forças opostas em permanente diálogo.
Estamos todos em construção, sustentando o desafio de sermos inteiros em meio à fragmentação. O domínio sobre si é um aprendizado contínuo, uma prática de presença. Ele exige que observemos a emoção antes de agir, que identifiquemos o desejo antes de obedecê-lo, que ouçamos o corpo antes de julgá-lo.
No fim, o autodomínio não é um fim, mas um caminho. É a capacidade de estar diante de si mesmo sem fugir. O que amadurece a consciência não é a ausência de sombra, e sim a possibilidade de reconhecê-la. Dominar-se é permanecer inteiro diante do que se move, permitindo que razão e emoção coexistam no mesmo território psíquico.
- Neste artigo:
- Alma Clinica,
- colunista GLMRM,
- corpo e alma,
- maria klien,
- Modo de Vida,
 
     
     
     
     
    