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Maria Klein - Foto Divulgação
Maria Klein – Foto Divulgação

O ser humano emerge no mundo por meio do contato. Antes mesmo da palavra, é o corpo que sente: o olhar que acolhe, o toque que transmite segurança, a presença que sustenta. As primeiras trocas estabelecem os fundamentos psíquicos da subjetividade. Não se trata de romantizar o vínculo, mas de reconhecer a importância fundante da alteridade na constituição do eu.

O afeto, nesse contexto, não se reduz a uma emoção passageira ou simpatia circunstancial. Ele se configura como experiência intersubjetiva, dotada de potência reguladora sobre os estados mentais. Relações humanas que respeitam a escuta, acolhem o silêncio e reconhecem a dor como legítima funcionam, frequentemente, como espaços de reparação interna. Não se trata de substituir intervenções clínicas, mas de compreender que o campo relacional é, muitas vezes, o terreno onde germinam processos terapêuticos autênticos.

A clínica contemporânea revela, com frequência crescente, quadros de sofrimento que não encontram origem em eventos isolados, mas na ausência crônica de vínculos consistentes. Há um cansaço invisível que nasce da indiferença. O sujeito adoecido pela negligência afetiva, não raramente, busca na produtividade uma ilusão de pertencimento — quando o que lhe falta, em essência, é o reconhecimento de sua existência enquanto presença significativa no mundo.

A saúde mental, sob esse prisma, não pode ser pensada de modo dissociado das relações humanas. Terapias que privilegiam a escuta ativa reconhecem que o afeto não é acessório, mas central na condução do cuidado. A palavra, quando sustentada por vínculo, adquire densidade e poder transformador. A linguagem, por si só, não cura — mas o modo como ela é acolhida pode abrir espaço para o que antes permanecia silenciado.

Há um valor terapêutico na convivência que respeita os limites do outro. Não se trata de uma convivência idealizada, mas de encontros possíveis, nos quais a escuta não visa o convencimento, mas a presença plena. Estar com alguém, verdadeiramente, exige a suspensão dos próprios ruídos, disponibilidade para a partilha e abertura à construção conjunta de significados.

Pesquisas em neurociência afetiva já indicam que relações estáveis e afetuosas contribuem para a regulação do sistema nervoso autônomo, favorecendo respostas menos reativas ao estresse. O corpo responde ao afeto, assim como adoece na solidão. Os efeitos do cuidado estão inscritos tanto na memória psíquica quanto na fisiologia orgânica. E se o sofrimento se inscreve na carne, também o amparo se manifesta em forma de alívio concreto.

Importa reconhecer, ainda, que o afeto não se limita ao laço familiar ou amoroso. Amizades sinceras, vínculos comunitários e relações solidárias também operam como fatores de proteção psíquica. A cultura da competição e do isolamento, presente em tantas dinâmicas contemporâneas, enfraquece essas redes e compromete o sentimento de pertencimento — fundamental para a manutenção do equilíbrio mental.

Há uma delicadeza subversiva no gesto que interrompe o automatismo do cotidiano para olhar o outro. Uma pausa que não busca uma resposta imediata, mas permite a emergência do humano. Nessa pausa pode residir um tipo de cuidado que nenhuma medicação oferece: o reconhecimento da existência do outro como legítima, inteira, digna de atenção.

Conclui-se que o afeto, quando compreendido como experiência ética e relacional, torna-se elemento essencial para a promoção da saúde mental. As relações humanas, quando construídas com responsabilidade, reciprocidade e escuta, criam territórios de segurança emocional. E é nesses territórios que o sujeito, atravessado por traumas e rupturas, pode, enfim, iniciar o trabalho de reconstrução de si.

Se a dor nos fragmenta, o encontro nos costura. Se a ausência nos cala, a presença nos faz palavra. Se o trauma nos contrai, a expressão nos alarga — pois aquilo que se cala adoece em silêncio, e aquilo que se diz encontra respiro. O trauma, ao se inscrever no corpo e no tempo, impõe uma contração que paralisa, retrai e isola. Mas o gesto de dizer, o ato de nomear o indizível, desmancha os nós da alma e inaugura espaços de reinvenção de si. A escuta, nesse percurso, não é apenas recepção, mas acolhimento radical da experiência do outro. O afeto, nessa travessia, não é consolo, mas caminho. Não é resposta, mas sustentação. E é justamente por meio dessa sustentação — feita de presença, escuta e vínculo — que a psique encontra abrigo e, por vezes, cura.

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