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Políticos que não veem problema em se definir como socialistas, têm agendas ambientais e pautas afirmativas – e, horror dos horrores, falam em taxar os mais ricos – despontam nos Estados Unidos
Por Paulo Vieira para a revista PODER
A toda ação corresponde uma reação de mesma intensidade, diz o cânone da física. Na política americana, contudo, a terceira Lei de Newton parece estar operando de maneira disfuncional. Ali, o avanço do populismo de direita, representado pela eleição do republicano Donald Trump em 2016, vem sendo confrontado por uma reação inesperada – e de valor maior. Ou, se não isso, uma reação de multiplicidade maior. É o que se observa na proliferação de políticos de esquerda e centro-esquerda, cujas agendas são dominadas por temas ambientais, pautas afirmativas e inconformismo com a crescente desigualdade social dos Estados Unidos.
Não ter medo de usar o dístico “socialista”, algo que aqui no Brasil talvez só o PSOL e o PCO assumam a bandeiras despregadas, é outra marca de um naco dessa “new left”. Para John Delaney, ex-deputado por Maryland e um dos inúmeros pleiteantes à candidatura democrata à sucessão de Trump, com efeito, as primárias do partido, em 2020, “podem ser uma escolha entre socialismo e uma forma mais justa de capitalismo”. Outra marca é a vontade de universalizar o plano Medicare, implantado por Barack Obama, garantindo acesso gratuito à rede médica a toda população americana. De certa forma, esse crescimento à esquerda não surpreende. Para Maurício Santoro, professor de relações internacionais da Uerj, “tanto a esquerda como a direita definem suas agendas política e ideológica em resposta ao grupo adversário”.
O postulado vale também, por extensão, para o próprio sucesso de Trump, “reação conservadora a uma sociedade que se tornava cada vez mais progressista, liberal e cosmopolita”, segundo Santoro, algo que vai claramente de encontro ao nacionalismo xenófobo do presidente americano e de muitos outros expoentes da direita mundo afora. A revista The Economist, que em fevereiro deste ano destacou em reportagem de capa a popularidade crescente do socialismo entre os millennials, apresentou dados de uma pesquisa Gallup que embasam a tese. Na faixa dos 18 aos 29 anos, 51% dos respondentes afirmaram ter uma “visão positiva” do socialismo. Entre simpatizantes do Partido Democrata e de candidaturas independentes, o capitalismo perdeu 10 pontos dessa simpatia, para 45%. Isso em apenas dois anos. Muitos nomes dessa nova esquerda roubaram a cena para as eleições para o Congresso de mid-term, em 2018. Caso da sensação Alexandria Ocasio-Cortez, a AOC, deputada por Nova York que, aos 29 anos, tornou-se a mulher mais jovem a se eleger para o Congresso americano. Granjeou enorme popularidade entre os millennials ao mesmo tempo que conhecia a face menos glamourosa do sucesso – AOC tornou-se um dos alvos prediletos dos haters de internet, a ponto de recentemente ter anunciado seu exílio do Facebook.
No conjunto desses políticos há também duas dezenas de postulantes à candidatura presidencial de 2020 pelo Partido Democrata. Muitos ficarão logo pelo caminho por conta dos obstáculos financeiros e deverão desaparecer da mídia e do imaginário americano prematuramente. Disputam vaga, afinal, contra medalhões como Joe Biden, que foi vice de Obama, e Bernie Sanders, que mobilizou a população engajada nos movimentos da grife “occupy” após a grande crise de 2008. São esses dois nomes, aliás, que lideram a corrida pela candidatura democrata segundo as pesquisas mais recentes.
Veja nos destaques da reportagem algumas das faces dessa nova ordem política americana.
ALEXANDRIA OCASIO-CORTEZ
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Fora desta corrida presidencial, Alexandria Ocasio-Cortez, a AOC, deputada por Nova York em primeiro mandato, filha de pais porto-riquenhos, cresceu no Bronx e se formou em Boston, em economia e relações internacionais. Escorada por pautas afirmativas que ela mesmo personaliza, dissociou sua campanha das corporações, aceitando financiamento apenas de eleitores e simpatizantes. Lançou o Green New Deal, alusão à campanha de recuperação econômica de Ted Roosevelt, o New Deal, encetada após a Grande Depressão de 1929. O New Deal verde propugna uma economia de baixo carbono, com utilização maciça de energia renovável, fim da importação de petróleo cru e a eliminação da gasolina como matriz energética da frota veicular americana até 2040, entre outras medidas.
KAMALA HARRIS
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Aos 54 anos em seu mandato inicial como senadora pela Califórnia, Kamala Harris foi a primeira afro-americana a ocupar a procuradoria-geral de seu estado. Ao anunciar a candidatura presidencial este ano, tomou um recorde de Bernie Sanders, o de alcançar a maior arrecadação nas primeiras 24 horas após o anúncio – Sanders, contudo, recuperou o “título” este ano, ao confirmar que estava de novo no páreo presidencial. Pró-aborto e com forte atuação na área ambiental – criou uma unidade especial de justiça para o tema quando procuradora de São Francisco –, endossou o Green New Deal de AOC. Filha de pai jamaicano e mãe indiana, tem usado sua própria história familiar para ilustrar uma visão sobre imigração diametralmente oposta à de Trump. Kamala pretende ainda beneficiar as classes mais baixas com uma política tributária, que, segundo ela, poderia gerar até US$ 500 mensais a cada família trabalhadora.
PETE BUTTIGIEG
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Eleito com apenas 29 anos para a prefeitura da pequena South Bend, de 100 mil habitantes, no Estado de Indiana, Pete Buttigieg, hoje com 37 anos, reúne algumas bandeiras que podem insuflar os democratas – e os jovens eleitores americanos. Veterano do Afeganistão, ele é o primeiro candidato abertamente gay a pleitear vaga numa eleição majoritária. Num país orgulhosamente monoglota, Buttigieg fala oito idiomas, toca piano e, talvez mais importante, é cristão praticante. O político é a favor do “capitalismo democrático” em que livre mercado, responsabilidade fiscal e estímulo ao pluralismo são os grande pilares.
ELIZABETH WARREN
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Senadora reeleita por Massachussets, a ex-professora de Direito de Harvard Elizabeth Warren é outra que leva para a campanha presidencial a “ameaça” de taxar os mais ricos para tentar assim ajudar a fazer os motores americanos andarem. Sobre detentores de patrimônio líquido de US$ 50 milhões incidiria um imposto de 2%; sobre fortunas bilionárias, 3%. Com isso, sustenta, o país amealharia US$ 2,75 trilhões numa década. No lançamento de sua candidatura, em fevereiro, ela estressou a ideia, bastante conhecida no Brasil, da divisão de classes. O “nós” de Elizabeth é quem “trabalha duro”, a “classe média que mal pode respirar”, e o “eles”, as corporações gigantes.
BETO O’ROURKE
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Beto O’rourke, ex-deputado pelo Texas, perdeu por margem pequena a vaga para o senado pelo estado para o republicano Ted Cruz em 2018. Mesmo assim foi o recordista de votos entre os democratas no estado. Como Obama e depois Emmanuel Macron, na França, O’Rourke pretende ocupar um espaço ao centro – mas que diante de Trump deve soar como extrema-esquerda. Assim como AOC, tem força nas mídias sociais, mas também na imprensa convencional. O jornal Dallas News endossou sua candidatura ao Senado ao ver em O’Rourke enorme potencial de liderança, respeito ao contraditório e vontade de recolocar os Estados Unidos no Acordo de Paris, além de discutir amplamente uma reforma migratória. Nascido em El Paso, hoje, aos 46 anos, é também contrário ao muro na fronteira mexicana. Com uma curta carreira no show business quando universitário, mostrou envergadura para arrecadar muito bem na campanha ao Senado. Anunciou sua candidatura à corrida presidencial em março.
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