Em Paris, o luxo não está apenas nas vitrines, mas cada vez mais nas decisões de gestão urbana. A expansão territorial e simbólica do conglomerado francês LVMH em alguns dos bairros mais nobres da capital acendeu um sinal de alerta entre prefeitos de arrondissement da Cidade Luz, que agora temem perder o protagonismo político para comitês corporativos que operam com a anuência tácita do poder central. A disputa, embora discreta, expõe um novo modelo de governança urbana, em que marcas de luxo moldam o espaço público de maneira cada vez mais autônoma.
A inquietação surgiu diante da formação de uma coalizão informal entre entidades ligadas à Avenue Montaigne, Place Vendôme, Rue Saint-Honoré e Champs-Élysées – todas áreas onde a LVMH tem forte presença. A preocupação não é apenas estética ou simbólica, mas também de influência prática sobre o uso do solo, segurança, circulação e eventos públicos, frequentemente mediados por comitês patrocinados por grandes marcas, sem que os prefeitos eleitos participem das decisões. Em alguns casos, os arrondissements sequer são consultados sobre instalações efêmeras ou intervenções arquitetônicas com forte impacto visual e turístico.
Entre os exemplos mais emblemáticos estão a instalação do polêmico “baú” da Louis Vuitton nos Champs-Élysées, as reformas na histórica La Samaritaine e a gestão terceirizada do Jardin d’Acclimatation, hoje operado pela fundação do grupo. São concessões públicas de longo prazo, muitas vezes negociadas diretamente com a prefeitura central, mas com efeitos territoriais concentrados nos distritos. A crítica comum entre os prefeitos é de que essas operações desviam recursos e atenção da gestão cotidiana dos bairros, concentrando esforços em projetos voltados à imagem internacional de Paris.
A tensão cresce porque, na prática, essa reorganização simbólica da cidade cria dois centros de poder, com os prefeitos e conselhos municipais, com atribuições legais, porém cada vez mais limitadas de um lado, e do outro um ecossistema corporativo articulado, dotado de verba, prestígio e influência, capaz de redesenhar a experiência urbana sem precisar de mandato. Para críticos, isso representa a municipalização do branding, e Paris se torna não apenas cenário, mas produto, com seus bairros, vitrines controladas por interesses privados.
Setores progressistas da política parisiense já se movimentam para barrar o avanço dessa lógica. Propostas de revisão das concessões e de criação de marcos regulatórios mais rígidos vêm sendo discutidas na Câmara Municipal, especialmente por representantes ecologistas e independentes. Mas a reação ainda é tímida frente à magnitude da influência exercida por conglomerados como a LVMH, cujo CEO, Bernard Arnault, é não apenas o homem mais rico da Europa, mas um interlocutor direto do alto escalão da política francesa.
Em última instância, a disputa por Paris é uma disputa por protagonismo. Quem decide o que é Paris? Os moradores, com suas demandas cotidianas e tradições locais, ou os curadores do luxo global, com sua estética espetacular e poder de atração? O risco, alertam urbanistas, é que a cidade deixe de ser vivida como território comum e passe a ser contemplada como galeria de consumo, resultando em uma Paris que brilha, sim, mas para poucos.
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