Publicidade
||Créditos: Folhapress / Revista J.P
||Créditos: Folhapress / Revista J.P

Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de junho

Antes de ser abatido a tiros, em maio de 1957, o deputado Gabriel Quadros chegou a sair no braço com o feirante José Guerreiro, numa disputa pela paternidade de gêmeos. A mãe das crianças, Francisca Flores, casada com o feirante, dizia que eles eram filhos do deputado. Por causa do escândalo, Jânio, o então governador de São Paulo, ameaçou encerrar a carreira política

Um dos maiores embaraços que Jânio Quadros enfrentou quando estava no governo de São Paulo (1955-1959) foi o assassinato de seu pai. Médico e farmacêutico de formação, o deputado Gabriel Quadros morreu baleado pelo marido de sua amante. Em si, a situação já era delicada. Acontece que, ainda por cima, Gabriel e Jânio nunca tiveram um relacionamento tranquilo como pai e filho, e, apesar de ambos terem sido eleitos pelo Partido Trabalhista Nacional, PTN, a coisa não ia melhor na política. Militante da extrema esquerda, Jânio recebia ataques sistemáticos de Gabriel, que estava à extrema direita e chegou a usar a expressão “jâniofobia” para se referir a um “vírus” que, segundo ele, andava contaminando os parlamentares. “Já há alguns casos de contágio neste plenário”, disse o deputado, em um discurso de 1957 na Assembleia Legislativa.

A história do assassinato de Gabriel remonta à época em que o médico se elegeu vereador pelo Partido Democrata Cristão (PDC), em 1951, e tinha como cabo eleitoral o feirante José Guerreiro, dono de uma barraca de limões. Sabidamente mulherengo, o vereador traiu seu apoio iniciando um caso com a mulher dele, Francisca Flores, vulgo Nena. O triângulo ainda não havia sido desfeito quando Nena engravidou de gêmeos. Num tempo em que o exame de DNA estava longe de ser criado, as duas crianças, batizadas de Jaime e José Carlos, foram motivo de acirrada disputa entre o feirante e o ex-vereador – que agora cumpria mandato como deputa do estadual pelo PTN. De temperamento notoriamente irascível, dado a escândalos, Gabriel Quadros chegou a sair no braço com José Guerreiro em plena Praça da Sé, para decidir quem era o pai dos meninos.

SÓ NO “OLHÔMETRO”

A princípio, Nena afirmava que os filhos eram de Gabriel e, por conta disso, o deputado chegou a acomodá-la por alguns dias em seu gabinete na Assembleia Legislativa. Em seguida, ele a transferiu para sua própria residência, na avenida Rebouças. Ocorre que, apesar de manter com o deputado apenas um casamento de aparências, sua mulher oficial, Leonor, que agora morava com Jânio, não queria a amante do marido vivendo em uma casa que, afinal de contas, era sua também. Então, o deputado levou Nena para um sobrado que possuía na avenida Lins de Vasconcelos, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. O irônico é que, mais tarde, quando os meninos já estavam suficientemente crescidos, ficou óbvio pelo método utilizado na época, o “olhômetro”, que eles eram filhos de Guerreiro; além de tudo, não havia caso de gêmeos na família Quadros. Mas agora que tinha começado a briga, o deputado, até por uma questão de honra, levou a defesa da paternidade até o fim.

||Créditos: Arquivo Agência O Globo / Revista J.P

José Guerreiro também não arredou o pé. Logo foi fazer uma visita a Nena, na Lins de Vasconcelos. Disposto a reaver os filhos, ele passou por cima da vontade da mãe deles e os levou dali para o cômodo onde morava, nos fundos de um sobrado na Mooca, zona leste de São Paulo. Ao saber do “sequestro”, Gabriel Quadros juntou cinco capangas, carregou sua arma e rumou para a Travessa Nelson Atallah, 9, onde ficava o sobrado. Foi disposto a “resgatar” Jaime e José Carlos. Era por volta de 8 horas de um sábado, dia 18 de maio de 1957, quando o deputado e três de seus homens arrombaram a porta do cômodo e avançaram na direção dos garotos. Ainda so nado, o feirante recebeu diversas pancadas, inclusive de cassetete, mas lutou contra os agressores como pode, usando um pedaço de caibro que encontrou perto da cama. Mesmo estando em minoria, conseguiu imobilizar o rechonchudo rival e arrancar dele a arma. No meio da confusão, desatinado, José Guerreiro disparou seis vezes contra Gabriel Quadros, que caiu morto. Não satisfeito, o feirante virou a arma na direção dos capangas do deputado, que, apavorados, correram em disparada. Na fuga, levaram os gêmeos. Como estava apenas de ceroulas, Guerreiro, que tinha então 30 anos, voltou para o cômodo, vestiu-se e sumiu dali.

DE PENHOAR, SEM SAPATO

Em pouco tempo, a pacata travessa e as ruas adjacentes foram tomadas por uma multidão de curiosos. Para se aproximar da investigação, e saber em primeira mão detalhes do que tinha ocorrido, os vizinhos se dispunham a prestar testemunhos voluntariamente. A polícia isolou a área, barrando o acesso inclusive de jornalistas, para efetuar o exame pericial. O corpo de Gabriel Quadros foi levado para o necrotério do Hospital Santa Catarina, onde o submeteram à autópsia. O laudo assinado pelos médicos legistas César Berenguer e Mattosinho França apontou como causa mortis “hemorragia interna traumática”. A Secretaria de Segurança Pública determinou que a Polícia Rodoviária vigiasse as saídas de São Paulo, a fim de impedir que o carro de placas 2-99-66, usado pelos capangas de Gabriel Quadros para fugir com as crianças, deixasse a cidade. Enquanto isso, vizinhos de Nena na avenida Lins de Vasconcelos afirmaram tê-la visto saindo às pressas de casa, por volta das 9 horas do sábado – portanto depois de o crime ter sido consumado. Ela ainda estava de penhoar quando embarcou em um carro que a aguardava. Tamanha era sua pressa que, ao entrar no veículo, deixou para trás um dos sapatos. Soube-se depois que o carro no qual embarcara era o mesmo que os homens de Gabriel Quadros utilizaram para fugir com Jaime e José Carlos.

Assim que tomou conhecimento do crime, o governador Jânio Quadros encaminhou um despacho para a Secretaria de Segurança determinando a abertura imediata de uma investigação rigorosa. “O homicídio de que foi vítima o deputado Gabriel Quadros deve ser objeto de rápido inquérito, para apuração de responsabilidades. O autor (ou autores) não sofrerá qualquer coação ou violência, assegurando vossa excelência o governador, de forma absoluta, garantias e direitos da lei.” O enterro ocorreu na tarde do próprio sábado, com a presença do governador, que, segundo seus assessores, foi ao cemitério do Araçá apesar de estar com a saúde “debilitada” (uma gripe, segundo contou a J.P uma fonte próxima a Jânio na época). O presidente Juscelino Kubitschek não compareceu. Foi representado pelo presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães. Conhecendo o pai de sobra, Jânio declarou à imprensa durante o féretro que José Guerreiro agira em legítima defesa da honra. Embora seja comum se afirmar que foi o governador que absolveu o criminoso, Jânio apenas o perdoou – ele não tinha essa prerrogativa. O feirante foi indiciado, ficou preso preventivamente durante alguns dias, respondeu a processo e ganhou a liberdade sem ir a júri, em 1959. Para neutralizar o efeito do escândalo, o governador chegou a declarar sua carreira política encerrada – mas, ao contrário disso, em dezembro daquele mesmo ano registrou sua candidatura a deputado federal pelo PTB do Paraná, e, depois de eleito, passou a acumular os dois cargos. Os gêmeos reapareceram com a mãe, por quem foram criados. Nena se desquitou do feirante.

 

 

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR

Escândalo de apostas abala a NBA e coloca holofotes sobre o círculo de LeBron James

Escândalo de apostas abala a NBA e coloca holofotes sobre o círculo de LeBron James

Escândalo de apostas ilegais atinge a NBA, com a prisão de Terry Rozier, Chauncey Billups e Damon Jones por uso de informações privilegiadas em esquemas de apostas e jogos de pôquer fraudulentos. Embora LeBron James não seja investigado, seu nome surgiu em mensagens entre os acusados, ampliando o impacto do caso. A crise levanta dúvidas sobre a integridade da liga, que nos últimos anos se aproximou do mercado de apostas esportivas, e reacende temores de manipulação semelhantes ao escândalo de 2007.
Petição contra Bad Bunny no Super Bowl expõe divisões culturais nos EUA

Petição contra Bad Bunny no Super Bowl expõe divisões culturais nos EUA

A escolha de Bad Bunny para o show do intervalo do Super Bowl LX gerou uma petição com mais de 60 mil assinaturas pedindo sua substituição pelo cantor country George Strait. A polêmica revela divisões culturais nos Estados Unidos e reforça a relevância global do artista porto-riquenho, símbolo de uma nova era do pop multicultural.
Príncipe Andrew renuncia ao uso de títulos reais após novas pressões sobre caso Epstein

Príncipe Andrew renuncia ao uso de títulos reais após novas pressões sobre caso Epstein

O príncipe Andrew renunciou aos títulos reais, incluindo o de duque de York e o tratamento de Sua Alteza Real, com o consentimento do rei Charles III. A decisão ocorre após novas revelações no livro póstumo de Virginia Giuffre sobre o caso Epstein. Embora continue titular legal do ducado, Andrew se afasta de vez da vida pública, e sua ex-esposa, Sarah Ferguson, também deixará de usar o título de duquesa de York. A medida, vista como simbólica, reflete o esforço da monarquia britânica em preservar sua credibilidade e encerrar um dos capítulos mais controversos de sua história recente.

Instagram

Twitter