PAISAGEM DOS DESPOSSUÍDOS
A romena naturalizada alemã Herta Müller é a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura 2009, por ter uma obra que é a “concentração da poesia e da franqueza” e que “descreve a paisagem dos despossuídos”, como justificou a Real Academia Sueca de Ciências. O resultado foi divulgado nessa quinta-feira, 8.
* A escritora nasceu em Nitzkydorf (Romênia) em 1953, mas vive em Berlim desde 1987, para onde emigrou com seu marido, depois de ter sido proibida de publicar em seu país. Antes, ela havia perdido seu primeiro trabalho, como tradutora em uma fábrica de máquinas, por se negar a colaborar com o serviço secreto da Romênia comunista e teve seu primeiro livro, “Niederungen” (1982), uma coleção de contos sobre seu vilarejo de origem, censurado pelo governo do ditador Nicolae Ceausescu. A obra de Müller trata geralmente do lado opressivo da vida sob o comunismo, porém, como atestam conhecedores de sua obra, de forma poética, não sendo livros de conotação apenas política. A escolha da autora como Nobel de Literatura coincide com os 20 anos da queda do Muro de Berlim.
* Pode-se dizer que a notícia da premiação de Müller causou certa surpresa até mesmo à própria autora que teria afirmado, segundo comunicado de sua editora na Alemanha, a Hanser Verlag: “Estou muito surpresa e ainda não consigo acreditar”. Ela é a 12ª mulher a receber o Nobel de Literatura, que concede 1,4 milhão de dólares, ou seja, mais de 2 milhões e meio de reais. O norte-americano Philip Roth e o israelita Amos Oz eram os mais cotados pelas bolsas de apostas para receber a premiação neste ano.
Apesar de já ter recebido mais de vinte prêmios e de ser considerada uma das principais escritoras de língua alemã nascidas fora de Alemanha, Herta Müller não tem grande projeção internacional. No Brasil, foi publicado apenas um de seus livros: “O Compromisso”, traduzido pela escritora Lya Luft e lançado pela editora Globo em 2004.
* A obra trata da história de uma ex-operária da indústria têxtil que, com certa regularidade, é chamada para prestar depoimento ao major Aldu, da polícia secreta da Romênia, durante o regime totalitário de Nicolae Ceausescu (1918-1989), que governou o país entre 1974 e 1989. O trabalho do oficial é descobrir mulheres que traem a pátria.
* A jovem está sob suspeita desde que foram descobertos bilhetes em bolsos das calças de ternos masculinos que ela costurou e que seriam enviados para a Itália. Nas mensagens, ela escrevia a frase "case comigo", junto com seu endereço.
* A convocação que ela recebe é sempre para o mesmo local e horário, às 10 horas da manhã. Cada vez que isso acontece, a moça passa a noite anterior atormentada, com insônia e pesadelos. Mesmo assim, ela nunca chega atrasada. Ao contrário, às 7h30 está pronta para sair. Como a viagem dura aproximadamente 1h30, para passar o tempo, a jovem perambula pelas proximidades do local onde deve se apresentar. Ela também é acusada de prostituição em local de trabalho, e acaba sendo demitida.
* Neste livro, Müller faz uma espécie de retorno ao passado e às experiências pessoais para mostrar as adversidades e humilhações que ela mesma sofreu na Romênia comunista. Numa sociedade onde a oportunidade é limitada, a delação se torna uma instituição extra-oficial e a confiança em outras pessoas uma raridade tanto quanto um prato de comida decente ou um belo sapato feminino. A autora descreve um país em que boa parte dos cidadãos recorre ao álcool para suportar uma rotina burocratizada, e onde nada de interessante parece acontecer.
Por Anna Lee