A HORA E A VEZ DO BRASIL
Foi do Brasil a noite de entrega do 7º Prêmio Portugal Telecom, nessa terça, 10, na Casa Fasano, em São Paulo. Apesar de quatro portugueses estarem entre os dez finalistas: Antonio Lobo Antunes, Inês Pedrosa, Gonçalo M. Tavares e José Luís Peixoto, nenhum foi contemplado. Os três ganhadores brasileiros foram:
Em primeiro lugar, Nuno Ramos, pelo conto “Ó” (Ed. Iluminuras), recebeu R$ 100 mil. Neste livro, considerado pela crítica a sua obra mais radical, o autor elege a filosofia de Montaigne, a ética de Emerson e a narrativa de Sebald como guias, e aponta um novo rumo para a literatura.
Antes de começar a falar de “Ó”, Nuno Ramos conta uma parábola poética de Baudelaire:
“Baudelaire, em ‘Le Mauvais Vitrier’, diz que existem homens de natureza contemplativa, em tudo resistentes à ação. Contudo, sob um impulso misterioso, são capazes de agir com insuspeitada crueldade. Ele mesmo, certo dia, acordou com o pé esquerdo, triste e ‘decidido a fazer qualquer coisa de grandiosa’, praticar um ato que poderia condená-lo eternamente à danação, mas capaz de lhe conceder um infinito segundo de alegria. Escolheu como vítima um vidraceiro, que caminhava sob sua janela e ao qual fez subir seis lances de escada. No topo, após examinar sua frágil mercadoria, Baudelaire perguntou onde estavam os vidros coloridos. Como, então, ousava o pobre-diabo vender vidros sem cor num bairro pobre? ‘Onde está a beleza da vida? ’, perguntou, aos gritos, o poeta, empurrando o vidraceiro escada abaixo.”
No final das contas “Ó” lança a pergunta: Estaria a beleza escondida a sete palmos de míopes mortais, incapazes de enxergá-la por trás do véu da morte? E, mesmo não dando uma resposta definitiva, o livro deixa o leitor desconcertado.
Em segundo lugar no 7º Portugal Telecom ficou João Gilberto Noll pelo romance “Acenos e Afagos” (Record), com o prêmio de R$ 35 mil. Veja aqui a entrevista que Noll concedeu à coluna quando foi indicado à premiação.
Já Lourenço Mutarelli ficou em terceiro lugar com “A Arte de Produzir Efeito Sem Causa” (Cia. das Letras) e recebeu R$ 15 mil.
O livro conta a história de Júnior que, depois de largar o emprego e a mulher, por motivos que guardam uma infeliz coincidência, volta para a casa do pai. Sem dinheiro nem perspectivas, seus dias se dividem entre o velho sofá da sala transformado em cama, o bar onde bebe com desocupados e as conversas com a jovem e atraente inquilina do pai, Bruna, que ambos espiam através de um furo no armário. A pasmaceira só é interrompida quando começam a chegar pelo correio pacotes anônimos com recortes de notícias velhas, em inglês – uma delas sobre o episódio em que o escritor William Burroughs matou a mulher acidentalmente. Enquanto se entrega a reminiscências e persegue objetivos pequenos e imediatos – a próxima refeição, o resgate de uma dívida com o antigo chefe, o dinheiro para o próximo cigarro -, Júnior começa a roer a corda que separa sanidade e loucura, e dá passos numa espiral aterradora que engole todos que o cercam. O tom sombrio e opressivo dos outros livros de Mutarelli aparece novamente nesse livro, remetendo a influências confessas como Kafka e Dostoiévski. A ele somam-se o tédio e o vazio em meio aos quais os personagens se arrastam, num cotidiano marcado por obsessões sexuais e por um cenário típico da baixa classe média brasileira.
Por Anna Lee