Nem luxo, nem lixo: Como o Brasil se tornou a nova vitrine da sofisticação global

Há algo de novo no ar e não é apenas o perfume importado que se espalha pelos corredores do Iguatemi, o shopping de São Paulo que há décadas funciona como a meca do consumismo seletivo. O Brasil, outrora mero espectador do luxo global, agora se vê no centro de um desfile em que o aplauso vem de fora. Segundo estudo recente da consultoria americana Bain & Company, o mercado brasileiro de bens e experiências de luxo deve crescer cerca de 12% ao ano até 2030 — um desempenho que supera em muito a média global de 3%. A projeção é clara: um salto de cerca de R$ 98 bilhões em 2024 para R$ 150 bilhões em 2030, se tornando uma indústria centibilionária pela primeira vez.

Tal número se sustenta em um universo de aproximadamente 250 mil a 300 mil brasileirosclassificados como consumidores “core luxury” — aqueles que compram regularmente produtos e experiências de alto valor, de joias e moda premium a automóveis importados, arte e imóveis exclusivos. Se incluirmos o público “aspiracional”, que consome luxo de forma ocasional (viagens, gastronomia premium, cosméticos e acessórios), o contingente pode chegar a dois milhões de pessoas. Um nicho, certamente, diante dos 212,6 milhões de habitantes registrados no censo mais recente. Mas um nicho que dita tendências, valores e, sobretudo, narrativas.

Talvez o luxo, como a própria elite brasileira, tenha aprendido a dançar conforme o ritmo local, em um compasso que mistura alta renda, cultura de imagem e uma busca intensa por pertencimento. No país da desigualdade, o que custa caro e define privilégios não é apenas consumo: é enredo. E, como toda boa história, ela se conta com símbolos quase imperceptíveis, mas os mesmos que, para usar a metáfora de Clarice Lispector, fazem o terreno tremer mesmo quando o chão parece firme.

A nova geração de consumidores endinheirados não compra mais apenas o produto. Compra o enredo. O luxo deixou de ser estático para ganhar ares de performance. O jantar com menu assinado por chef badalado, o resort que se anuncia “desconectado”, a bolsa que traduz status sem logotipo. Ou até mesmo a Gucci, que revisita seu monograma em versões minimalistas e arquitetônicas, apagando o brilho da fivela exagerada que encantou os caçadores de tendências dos anos 2000. A exclusividade virou linguagem silenciosa, e o consumidor brasileiro quer ser autor da própria assinatura estética.

O digital, curiosamente, não diluiu esse encantamento. Ele o amplificou. As redes sociais transformaram o luxo em espetáculo controlado: o post certo no restaurante certo, o unboxing sob a luz perfeita. A Bain observa que o consumidor de alta renda no Brasil é simultaneamente sofisticado e conectado, eis aqui um paradoxo que revela maturidade. O clique é a nova forma de aplauso.

Há também o elemento geográfico. O luxo se interiorizou. Se antes a elegância era exclusividade da Faria Lima ou do Leblon, hoje Goiânia, Curitiba, Balneário Camboriú e Brasília também desfilam seus códigos. O mapa do luxo brasileiro ganhou novos endereços e, junto deles, novos sotaques. A elite regional quer consumir o que há de melhor, mas fazê-lo com autenticidade, sem imitar Paris nem Miami.

Em meio a escândalos, instabilidades geopolíticas e guerras por todos os horizontes, algo curioso se repete com a notícia de que o segmento de luxo no Brasil simplesmente ignora o alarme. Crises como as desencadeadas pela Operação Lava Jato, os embates diplomáticos recentes entre Brasil e Estados Unidos ou os disparos de artilharia em palcos distantes (que normalmente freariam o consumo global) parecem apenas abrir brecha para que as elites reforcem sua vitrine. Por um lado, a turbulência eleva o câmbio e torna o consumo interno mais caro e, paradoxalmente, mais desejado. Por outro, an aura de “estar acima da crise” se converte em estratégia de marketing. O mercado de luxo prospera enquanto a macroeconomia faz caretas.

Não se trata de exceção nem de sorte. A renda alta cresce em ritmo de dois dígitos, as viagens internacionais diminuem e a ostentação em tempos ambíguos se torna quase um imperativo social. Enquanto o “mundo real” discute teto de gastos e inflação, o “mundo luxo” aproveita o palco. E se houver vento de crise, ele só aumenta o charme de quem pode comprar. Talvez porque a disrupção seja o novo verniz do poder… A eterna pièce de résistance da máxima de Danuza Leão: “Todas as pessoas são iguais entre si, mas algumas são mais iguais do que as outras”.

Nada disso elimina as fragilidades. Câmbio volátil, carga tributária alta e gargalos logísticos continuam sendo espelhos trincados nesse salão de mármore. Ainda assim, o apetite é inegável. O que antes era importado como desejo distante agora é produzido, vendido e exibido dentro de casa. O luxo brasileiro aprendeu a respirar o próprio ar e a cobrar por isso.

Mais do que um fenômeno econômico, se trata de uma mutação cultural. O consumo de luxo no Brasil é também uma forma de resistência estética, como se fosse um gesto de distinção em meio à homogeneização digital. Em um mundo digitalizado e saturado de imagens, o luxo oferece textura. E talvez seja isso que o torne tão sedutor como um antídoto visual à velocidade com que tudo se torna descartável. Ou, quem sabe, um filtro que esconde o que atrai olhares tanto quanto o brilho dos rubis, mas sem o mesmo desejo nem o mesmo esplendor.

Para quem vive da arte, da moda ou da criação e entende que o valor simbólico pode ser tão poderoso quanto o monetário, este é o momento de observar com lupa. O luxo está em mutação, e o Brasil, pela primeira vez, dita tendências. Marcas e criadores que compreenderem essa nova psicologia do prestígio terão o poder de transformar produtos em experiências e experiências em mitos.

No fim, talvez o verdadeiro luxo brasileiro seja exatamente isso: o dom de transformar carência em desejo, improviso em estilo, crise em oportunidade e produto estrangeiro em capitalismo selvagem contra qualquer outro Made in Brazil. O país do jeitinho agora flerta com a excelência e, ironicamente, é essa contradição que o torna irresistível. Os dados compiladas pela Bain & Company dizem muito sobre nosso eterno “vale tudo” para se encaixar no mesmo bom gosto que bomba lá fora, inclusive com excessos e correndo o risco de se tornar entediante. Como diria outra conhecedora das fantasias humanas, Diana Vreeland: “O luxo deve ser vivido, não explicado.”

(Crédito da imagem: Reprodução)

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