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Maria Klein – Foto: FREDERICONCEPTUAL

Vivemos sob a prevalência de uma lógica produtivista que opera em cadência acelerada. As estruturas sociais contemporâneas, organizadas a partir de metas, entregas e desempenho, impõem aos sujeitos um ritmo que frequentemente ultrapassa sua capacidade de assimilação emocional. O tempo cronológico, marcado por relógios e calendários, se descola do tempo psíquico — mais subjetivo, não mensurável por métricas objetivas. Essa cisão gera o que se pode chamar de apressamento psíquico: um estado de constante atropelo interno frente às exigências externas.

O psiquismo humano, diferente da máquina, requer tempo para metabolizar experiências, atribuir sentido aos acontecimentos e elaborar vivências. Quando submetido a um fluxo contínuo de demandas, expectativas e estímulos, esse funcionamento se vê pressionado a responder sem intervalo, sem pausa, sem silêncio. A ausência desses espaços compromete o processamento simbólico e o amadurecimento de conteúdos internos. As respostas se tornam automáticas, defensivas, e os afetos, comprimidos ou desorganizados.

A aceleração da vida cotidiana repercute diretamente no corpo, nos vínculos e na percepção subjetiva de si. O organismo, convocado a responder a tudo o tempo todo, desenvolve sintomas relacionados à ansiedade, ao esgotamento e à fragmentação da atenção. As relações afetivas passam a operar sob contratos tácitos de urgência, em que escuta, presença e espera tornam-se quase inviáveis. O eu, tensionado entre a pressa externa e a lentidão de seus processos internos, se encontra em permanente desalinho.

Esse descompasso produz uma experiência contínua de inadequação. A sensação de estar sempre aquém, de não dar conta, de falhar perante padrões que não respeitam o ritmo singular de cada existência, instala um mal-estar difuso. O sujeito, sem tempo para si, sem direito à pausa, perde o contato com sua própria interioridade. O silêncio psíquico — esse espaço de escuta de si — é invadido por ruídos que não lhe pertencem. O outro se torna medida; o exterior, comando.

Restaurar o tempo interno demanda mais do que técnicas de organização ou práticas de produtividade consciente. Requer uma revisão profunda da forma como nos relacionamos com as imposições do mundo. Isso envolve reconhecer os limites do corpo, os tempos do afeto, as pausas do pensamento. Trata-se de sustentar o direito à lentidão quando tudo ao redor convida à velocidade; de habitar a própria história sem se apressar para o desfecho.

O trabalho clínico possibilita essa reintegração. Ao oferecer um espaço onde o tempo não é comandado por tarefas nem por cronogramas, a escuta terapêutica resgata o valor da pausa. No processo de elaboração, cada palavra encontra seu tempo para surgir, cada dor, seu espaço para ser dita, cada memória, sua chance de ser reintegrada. O tempo interno, uma vez acolhido, deixa de correr em fuga para se tornar campo fértil de reconstrução simbólica.

Reconhecer o apressamento psíquico como fenômeno contemporâneo não significa naturalizá-lo. É preciso colocá-lo em análise, identificando suas raízes, suas consequências e, sobretudo, suas alternativas. O desafio é resistir ao imperativo da pressa e reeducar o olhar para aquilo que não se desenvolve sob pressão. Há processos que não se abreviam; há feridas que não cicatrizam sob comando; há afetos que só florescem quando o tempo lhes é concedido.

Na contramão da urgência imposta, escolher a pausa se apresenta como ato de afirmação psíquica. Versa na reconquista do direito de existir fora dos parâmetros da produtividade, de sustentar a legitimidade do tempo subjetivo diante das exigências cronológicas. Ao realinhar o interno e o externo, o sujeito deixa de apenas sobreviver ao tempo — e passa, finalmente, a habitá-lo.

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