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Ana Martins Marques
Por Rodrigo Valente

“Risque Esta Palavra” (Companhia das Letras), novo livro de Ana Martins Marques, tem 15 sóis e nenhuma lua. Essa diferença, notada pela editora Heloisa Jahn, nem mesmo a autora sabia. Na publicação com poemas antigos e outros recentes há também muito sobre o luto, embora Ana não consiga avaliar em qual medida as questões sociais e políticas deste tempo – “as muitas perdas coletivas, o medo da perda de pessoas próximas, o agravamento da pobreza, o descalabro de um governo que investe na produção do caos e que não tomou nenhuma providência para evitar as mortes, ao contrário, debochou dos mortos e dos doentes” – entram ou não na escrita. “Quem sabe o que essa morte / trouxe à vida? / As casas / coloridas / estão alegres sem motivo”, ela escreve. “Quem sabe tudo que morreu / com quem morreu? Um livro nunca escrito / um novo amor / um pensamento que permanecerá / impensado.”

Em um processo de edição que durou cerca de três anos e aconteceu em parte durante o isolamento, no qual se somaram ao livro cerca de seis, sete poemas, Ana diz que “Risque Esta Palavra” funcionou como uma espécie de escudo, citando uma frase da poeta russa Marina Tsvetaeva, na qual ela afirma que a poesia deve refletir o tempo, não como um espelho, mas como um escudo. Em sua conversa com a J.P, Ana faz referência também a Maurice Blanchot, Thomas Mann, Enrique Vila-Matas, Manuel de Freitas, Murilo Mendes e outros autores que, assim como seu livro, talvez funcionem como escudos. Isso porque Ana fala muito sobre a escrita, mas pouco de si. Desde que estreou na literatura com A Vida Submarina (2009) – que acaba de ser relançado pela Companhia das Letras – a poeta tem se esquivado dos pedidos de entrevista. Confessa ter dificuldade de pensar “ao vivo” e que prefere ter tempo para refletir sobre as perguntas e elaborar as respostas. “Pensar, para mim, praticamente acontece no papel”, justifica a autora, cujas “ideias se elaboram ao escrever”.

Assumidamente tímida, a mineira de 43 anos diz ter aprendido, com o tempo, a lidar melhor com esse traço da sua personalidade. “É uma negociação complexa, que inclui tanto munir-se de coragem para fazer as coisas que se deseja quanto aprender a não se forçar a fazer coisas só porque seria socialmente desejável ou considerado ‘normal’”, explica, citando desta vez Jorge  Luis Borges no livro Sete Noites, quando escreve “algo como”: “a timidez é um dos males que temos que tentar suportar”.

Possivelmente por conta do acanhamento, também tenha desistido de lecionar, atividade que exerceu por curto período em uma escola municipal. “Me dei conta de que não seria uma boa professora, ou ao menos que sofreria muito para conseguir ser uma boa professora”, afirma. No lugar das aulas – apesar do mestrado e doutorado concluídos na UFMG –, Ana prestou um concurso para o cargo de redatora e revisora na Assembleia Legislativa, função que ocupa há quase 20 anos. “É um trabalho que adoro. Muitas vezes lamento não ter mais tempo para ler e escrever. Mas, como já disse uma vez, não desejaria ‘viver de literatura’: a poesia é um patrão muito caprichoso.”

Para ela, a vida seria certamente mais pobre sem a escrita, ainda que não seja impossível se imaginar sem escrever. “É bem mais difícil me imaginar sem ler”, diz Ana, para quem a literatura pressupõe um certo desconforto com as palavras, uma espécie de desaprendizagem ou de estranhamento. É por esse desconforto, inclusive, que também é impossível imaginar a vida sem lê-la.


Acabamos de lançar tuas cinzas
surpresos de que reste tão pouco de ti
depois seguimos em silêncio ao sol
em meio a tudo o que te sobreviveu
e tu estás em tudo

Ana Martins Marques

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