Publicidade
Foto:Ana Alexandrino/divulgação

O ouvido de Geovani Martins é atento ao vai e vem das ruas. Um diálogo, uma gíria, um dito, um palavrão. O escritor carioca de 31 anos – que movimentou a literatura brasileira em 2018, com a coletânea de contos “O Sol na Cabeça”, publicada em mais de dez países – volta às prateleiras com “Via Ápia” (Companhia das Letras), romance de estreia, com a mesma habilidade de povoar as páginas com os gestos e os falares das favelas cariocas.

“Via Ápia” é o movimentado centro comercial da Rocinha, maior favela do Rio de Janeiro. A história, narrada pelo ponto de vista de cinco moradores, se passa entre 2011 e 2013, no momento de implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade. Geovani diz que seus personagens são um contraponto ao discurso hegemônico que aplaudiu a ocupação das favelas cariocas.

Ele morou na favela naquele período e dali extraiu, entre realidade e ficção, os personagens e as cenas do livro. Para Geovani, não existe uma realidade inata no mundo – afinal, quando duas pessoas contam uma história, já são duas realidades contadas. O livro vai da tensão da chegada da UPP à potência dos bailes funks que agitam a favela.

Da Flup à Flip

Autor confirmado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano, Geovani deu os primeiros passos como escritor profissional em uma oficina da Flup, a Festa Literária das Periferias. De lá para cá, o ambiente da literatura brasileira experimentou a ampliação da presença de escritores negros nas prateleiras e nos festivais.

“É um avanço porque saímos de uma condição inaceitável”, avalia Geovani. Ele aponta a contradição entre um momento de maior visibilidade de escritores e artistas negros e o recrudescimento da violência policial contra populações marginalizadas. “A sensação é de estarmos vivendo o melhor e o pior, pois ainda enfrentamos a brutalidade policial, o conservadorismo, o desejo pelo controle desses corpos”, diz. “Não daremos nenhum passo atrás. O preço que a gente tem pagado é com vidas.”

“Ainda enfrentamos a brutalidade policial, o conservadorismo, o desejo pelo controle desses corpos. Não daremos nenhum passo atrás. O preço que a gente tem pagado é com vidas”

Leitor formado pelos clássicos da literatura brasileira, recentemente Geovani mergulhou em autores como James Baldwin, mas conta que tem se dedicado quase exclusivamente a autores africanos. “Descobri coisas que me foram negadas na minha formação”, conta. Dentre as leituras recentes, cita o nigeriano Chinua Achebe, de “O Mundo se Despedaça”, e o senegalês Abasse Ndione, de “A Vida em Espiral”, uma das influências para a escrita de “Via Ápia”. Geovani revela seu fascínio pela figura do contador de histórias e pelas narrativas que encontra na música. “Vou beber no rap, no samba, no reggae. É um exercício diário”, finaliza.

*Com reportagem de Luís Costa
*Leia mais na edição de outubro da Revista Poder, já nas bancas.

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR

Trump, Hollywood e um déjà-vu que ninguém pediu

Trump, Hollywood e um déjà-vu que ninguém pediu

Trump tenta ressuscitar a franquia Rush Hour ao se aproximar de investidores e de Brett Ratner, num movimento que parece mais político do que cinematográfico. A proposta mistura nostalgia, estratégia cultural e a tentativa de reabilitar nomes controversos, mas enfrenta um mercado que não demonstra demanda real por um quarto filme. O episódio revela mais sobre a necessidade de Trump de reafirmar sua persona pública do que sobre qualquer impulso criativo em Hollywood.
Tom Cruise enfim leva seu Oscar…

Tom Cruise enfim leva seu Oscar…

Tom Cruise foi o grande nome do Governors Awards ao receber, após 45 anos de carreira, seu primeiro Oscar — um honorário. Em um discurso íntimo e preciso, ele relembrou a infância no cinema e reafirmou que fazer filmes “é quem ele é”. A entrega por Alejandro Iñárritu, seu novo parceiro em um projeto para 2026, reforçou o peso artístico do momento. Nos bastidores, o prêmio foi visto como aceno da Academia a um dos últimos astros capazes de mover massas ao cinema. Uma noite que selou não só um reconhecimento tardio, mas também a necessidade de Hollywood de se reconectar com sua própria grandeza.

Instagram

Twitter